Calourada Unificada 2016: O ano em que Zago e Nakao desafiaram os estudantes da USP
23 de fevereiro de 2016, 09:54
CALOURADA UNIFICADA 2016: O ANO EM QUE ZAGO E NAKAO DESAFIARAM OS ESTUDANTES DA USP
No dia 17/02 foi realizada a Calourada Unificada da USP, organizada pela gestão Manifesta: ousadia pra vencer do Diretório Central dos Estudantes em conjunto com diversos Centros Acadêmicos. Neste ano, o tema “O apito da panela de pressão: Pode vir quente que nóis já tá fervendo” relembrou os 40 anos da refundação do DCE-Livre da USP, apontando para a necessidade de nos engajarmos com radicalidade em 2016 contra a retirada dos nossos direitos por parte dos governos e em defesa da universidade pública, de qualidade, para todos.
Logo pela manhã, as atividades se iniciaram com os bolsões das áreas do conhecimento. Na capital, cursos da saúde reuniram dezenas de calouras e calouros. Em seguida, a mesa de abertura com o tema “40 anos da refundação do DCE-Livre da USP ‘Alexandre Vannucchi Leme’” reuniu cerca de 500 estudantes. O espaço foi aberto com o documentário “O Apito da Panela de Pressão” e acompanhado pela exposição de convidados especiais – dentre eles, ativistas históricos do movimento estudantil na época da ditadura.
Após o almoço, os estudantes se dividiram entre as sete mesas temáticas (“Primavera feminista: Os setores oprimidos ocupam a política”; “As fronteiras do mundo: a crise humanitária, imigrantes e refugiados”; “Guerra as drogas e a criminalização da juventude negra”; “Se a cidade fosse nossa: ocupando as ruas e as escolas”; “Brasil, pátria cortadora: a educação não vai pagar pela crise”; “Cotas e Permanência já”; “As que lutam vão no trá! Os ataques das transgressoras”). A mesa sobre a Primavera Feminista e sobre As fronteiras do mundo surpreenderam pelo interesse das e dos estudantes, que encheram as salas com cerca de 150 pessoas em cada. Ainda pela tarde, coletivos e grupos diversos organizaram oficinas que envolveram os ingressantes na diversidade do movimento estudantil.
Após a janta, de maneira antidemocrática, tivemos a nossa atividade boicotada pela direção da FFLCH. O ato público “Os de dentro lutam com os de fora: cotas e permanência já!” contaria com a presença de importantes figuras do movimento negro do país, além do Núcleo de Consciência Negra da USP e de figuras históricas na luta pela democratização da universidade. Sabemos que muitos estudantes presentes ficaram confusos com esta situação e por isso gostaríamos de esclarecê-la detalhadamente: É de costume há ao menos 10 anos que a quarta-feira da semana de recepção seja reservada para a Calourada Unificada. Com a antecedência de mais de um mês, o auditório da Geografia foi reservado pelo DCE para a realização do ato público. Porém, uma regra arbitrária garante aos professores e, sobretudo, às diretorias o cancelamento de qualquer evento caso queiram utilizar o espaço já reservado. E isto de fato foi feito. A reserva foi cancelada em cima da hora para a realização da Aula Magna da FFLCH, organizada pelo diretor da instituição, que estava programada para que se realizasse no auditório ao lado – da História -, de capacidade semelhante. Esta decisão da diretoria da FFLCH atrasou em muito tempo a nossa atividade, até que encontrássemos uma solução.
Não é de hoje que a universidade simplesmente ignora ou boicota o debate sobre as cotas raciais e sociais, mas, desta vez, a resposta dos estudantes foi imediata: a Aula Magna da FFLCH foi ocupada por integrantes movimento negro e da Ocupação Preta, que organizaram um debate com dezenas de estudantes que ali estavam sobre a urgência da implementação do sistema de cotas na USP. A resposta da diretoria da unidade foi, mais uma vez, repressão e perseguição, tendo em vista que a próxima Congregação da FFLCH tem como pauta uma “moção de desagravo” contra o estudantes que se levantaram contra o racismo da burocracia universitária. Essa reunião acontecerá essa quinta-feira (dia 25), já havendo uma articulação do movimento negro da USP para reivindicar nenhuma perseguição à Ocupação Preta.
Os campi do interior não ficaram de fora das atividades da calourada unificada. Em São Carlos, outras dezenas de estudantes se reuniram na parte da manhã para discutir a importância histórica da entidade, as lutas que foram travadas dentro e fora da universidade nos últimos anos, e os desafios que a atual conjuntura apresenta. A mesa composta por mulheres também destacou a resistência dos estudantes secundaristas de São Paulo contra a reorganização escolar proposta governo Alckmin. Os calouros debateram a importância do envolvimento político dos estudantes na luta pela democratização da universidade.
Em Ribeirão Preto reuniram-se mais de 300 estudantes na manhã do dia 17 para discutir as lutas do movimento estudantil da universidade ontem e hoje. A abertura contou com a presença de três professores fortemente ativos na refundação do DCE Livre da USP e na luta contra a ditadura militar. Em seguida, foram divididos quatro grupos rotativos que abordaram os temas de mulheres, negras e negros, LGBTs, e movimento estudantil. Por fim, o dia terminou com mais de 400 pessoas reunidas no sarau de encerramento da Calourada Unificada.
A intransigência e autoritarismo da reitoria contra o Festival Calourada
Para o fechamento do dia foi organizada uma grande festa. Recebemos muitos apoios e saudações de diversos contatos durante todo o mês de janeiro. Mas infelizmente, a festa da Calourada foi reprimida pela reitoria e pela Polícia Militar. É possível que boa parte dos estudantes sequer tenham entendido o que ocorreu ao longo do dia. Gostaríamos de esclarecer e também denunciar a atuação autoritária da reitoria contra a organização do Festival.
Já com o trio elétrico alugado e bandas confirmadas, fomos surpreendidos por um operativo da Polícia Militar no portão 2 – por onde entram veículos de grande porte – desde a manhã do dia 17. Por conta disto, desde cedo uma equipe de diretoras e diretores do DCE se organizou na tentativa de diálogo com a reitoria. Na manhã da quarta-feira se reuniram com o chefe de segurança, Alexandre de Moraes, e com o responsável por eventos da Prefeitura do Campus, Marino Benetti para pressionar em favor da entrada do trio elétrico. Depois de 1h30 a resposta foi enviada de maneira fria por um ofício decretando a proibição da entrada do automóvel. Por telefone, ainda, o professor Nakao, chefe de gabinete do reitor, debochou de uma diretora da entidade na tentativa de desqualificá-la. A intransigência foi tamanha que, ao chegar no portão 2, o trio elétrico foi recebido com um aparato da PM já preparado para reprimir. O motorista do trio foi obrigado a sair imediatamente do local, ameaçado de ser multado ou levado à delegacia.
“O Show Proibido” seria uma homenagem à luta contra a ditadura militar, relembrando o show feito por Gilberto Gil em 1973 em protesto ao assassinato de Alexandre Vannucchi Leme. Há ao menos dez anos, a quarta-feira da semana de recepção é comemorada com shows de grande porte, cujo apoio estrutural, segurança, ambulâncias e banheiros são fornecidos obrigatoriamente pela universidade. A proibição do show em 2016 foi algo inédito e, o argumento utilizado para justificar isto – supostos indícios de violência nas festas da calourada -, uma inverdade: nunca houve em uma festa da calourada do DCE qualquer incidente violento. Esta proibição foi o ápice de uma linha que vem sendo aplicada desde o fim do ano passado, com o discurso de que isso seria uma forma de combater a violência contra a mulher existente no campus. Nós sabemos que essa justificativa é falsa! As festas do movimento estudantil não são a causa do machismo da universidade. Inclusive, as festas do movimento estudantil tem, constantemente, a temática de combate às opressões. Essa proibição é um ataque ao uso do espaço público e à organização estudantil independente, além de negligenciar um debate qualificado sobre as reais causas do machismo, racismo e LGBTfobia presentes na USP.
A festa desse ano vinha sendo esperada com expectativa por calouros e veteranos da USP, como um espaço de confraternização e celebração. Muitos estudantes e apoiadores da causa, inclusive, doaram para a plataforma de arrecadação do Catarse, uma vez que a universidade não nos ajudou com nenhum centavo. Nós agradecemos muito a todos que doaram! Por causa do engajamento coletivo foi possível arrecadar a quantidade necessária para a realização do festival. Parte significativa do dinheiro arrecadado foi irreversivelmente investida no aluguel do trio elétrico e dos equipamentos para realização da festa que não aconteceu. Com a pequena parcela que nos sobrou, queremos realizar um fundo para revitalização da sede do diretório e organização dos documentos históricos que lá se encontram, tendo em vista que esse espaço precisa ser reformado para receber melhor todos os estudantes.
A Calourada Unificada 2016 só pôde ser realizada em função do papel cumprido por cada um dos Centros Acadêmicos na sua construção, e pela rede de solidariedade que se formou em volta da importante data e das iniciativas pensadas coletivamente. Acreditamos que a decisão de fazê-la, mesmo sem o apoio institucional da USP, representa uma iniciativa de independência política e financeira que nos orgulha de conjunto. Diante de tudo isso, com o intuito de garantir ao mínimo um espaço de socialização e diversão para os estudantes que aguardavam pelo Show Proibido, foi realizada uma cervejada no Vão da História e Geografia com parte das atividades culturais programadas para o Festival.
Este foi o dia no qual a reitoria da Universidade de São Paulo, através da Polícia Militar, impediu a comemoração de uma data histórica na luta contra a ditadura militar. Nós da gestão Manifesta consideramos tal acontecimento um episódio muito grave. É um absurdo que alguns poucos homens possam decidir sobre o espaço público da universidade à revelia da opinião do conjunto dos estudantes. A escolha pela proibição de festas não se trata apenas de uma questão de segurança, mas, sobretudo, de impedir a organização política e financeira autônoma dos estudantes.
Temos a certeza de que esta é uma decisão política do reitor Marco A. Zago e do prefeito do campus e chefe de gabinete Osvaldo Nakao para tentar prejudicar de maneira irreversível a organização autônoma das entidades estudantis que o questionam. A reitoria se esconde desta discussão por detrás de uma estrutura antidemocrática e postura intransigente, nos impondo um conjunto de proibições ou exigências impraticáveis para a realização de festas. Em contrapartida, sem explicação, autorizou a divulgação institucional do conhecido Show Medicina – quando o Ministério Público já se posicionou contra a realização do evento devido ao seu caráter profundamente opressor. Nós queremos uma USP democrática e que esteja do lado dos oprimidos! Por tudo isso, a importância de resgatar a memória do Movimento Estudantil reside também aí: Nossas conquistas dependeram sempre da nossa mobilização.
Nós, do DCE Livre da USP, esperamos que a Calourada Unificada tenha de alguma forma cumprido o papel de ter iniciado os debates e nos mostrado as disputadas que teremos que realizar ao longo do ano contra o autoritarismo do reitor. O DCE Livre da USP entende a Calourada Unificada de 2016 como o início dos debates e as disputadas que serão realizadas ao longo do ano contra o autoritarismo do reitor. Por fim, fazemos um convite ao conjunto dos estudantes para que debatam a questão da proibição de festas no marco político da organização estudantil. Exigimos da reitoria uma explicação para tamanha contradição em proibir uma festa de homenagem à luta contra a ditadura militar, mas apoiar um evento denunciado pelo ministério público por incitar a violência dentro da Universidade (o Show Medicina).
A reitoria fez sua escolha, nos tratando com autoritarismo, sem diálogo e colocando a PM para nos ameaçar. Mas a nossa organização coletiva através do Movimento Estudantil é o que faz a panela de pressão ferver. E ela pode explodir a qualquer momento!
Gestão Manifesta: ousadia pra vencer!