É cada vez mais urgente a luta por democracia – nota sobre a ação da PM na USP
12 de novembro de 2013, 17:20
Hoje, a Universidade de São Paulo voltou a assistir uma das mais lamentáveis cenas em sua história. Assim como Rodas já fizera em 2011, cerca de 300 homens da Tropa de Choque da Polícia Militar invadiram o campus da Cidade Universitária e, com base à força, reintegraram o prédio da administração da reitoria, ocupado pelos estudantes desde o dia 1º de outubro em manifestação por democracia na USP, eleições diretas para reitor e uma série de pautas do movimento estudantil.
Dois estudantes, que sequer estavam dentro da reitoria no momento da reintegração, foram detidos e indiciados criminalmente de forma arbitrária e injustificável, respondendo a crimes de formação de quadrilha, dano ao patrimônio público e furto. Registramos aqui nossa irrestrita solidariedade aos colegas e nosso repúdio à ação injustificável do governador do Estado e da reitoria em nos acusar de crimes tão graves, em mais uma tentativa de criminalizar nosso movimento quando é de conhecimento público o caráter democrático e legítimo de nossa manifestação.
Não nos surpreende essa postura vinda de um governo do Estado que se utiliza do método da truculência contra todos os movimentos sociais que expõe opiniões contrárias a seus projetos, como ficou claro na repressão aos atos contra o aumento das tarifas em junho. Na USP, desde o início de sua gestão, a marca de Rodas na USP é de autoritarismo e truculência. Neste ano, não foi diferente. O movimento de estudantes teve início no dia 01/10/2013, quando aconteceu reunião do Conselho Universitário (CO) para discutir as eleições para reitor na USP. Nesta reunião, as reivindicações estudantis e da ampla maioria da comunidade universitária foram sumariamente ignoradas. O CO (que conta com 140 membros, enquanto a comunidade universitária possui 120 mil) recusou a proposta de eleição direta e fim da lista tríplice, deliberando apenas mudanças risíveis no modo como os reitores são hoje eleitos. Ao mesmo tempo, a sessão do CO aconteceu de portas fechadas, ainda que os estudantes houvessem solicitado, com 10 dias de antecedência, institucionalmente, poder participar da discussão.
Com isso, teve início nosso movimento. A ocupação da reitoria foi uma ação política, legítima e democrática, de protesto, assim como a greve estudantil, métodos que foram utilizados frente à intransigência da reitoria em ouvir a comunidade universitária. Rodas, entretanto, já nos primeiros dias, solicitou a reintegração de posse. Foi por duas vezes derrotado na Justiça. Em meio a estes processos, cortou o fornecimento de água e luz no prédio da reitoria, numa inadmissível manifestação de chantagem e de irresponsabilidade com a condição humana dos ocupantes e com a própria preservação do espaço físico do prédio. Pressionado pela força da luta dos estudantes, e pelas resoluções desfavoráveis à reitoria na Justiça, foi obrigado a abrir um quase inédito processo de negociação interno à USP e a acenar com o atendimento de uma parcela das pautas estudantis.
Entretanto, como de praxe na tradição de Rodas, em meio ao processo de negociação, a reitoria insistiu na reintegração de posse e no uso da força policial. Às escondidas, solicitou um mandado de segurança, que foi concedido no dia 04/11. Assim que o pedido de reintegração foi deferido, Rodas voltou atrás, de forma unilateral e sem a realização de uma reunião de negociação, no termo de acordo que propunha aos estudantes, retirando o compromisso que já havia assumido com a realização de uma Estatuinte livre, autônoma e democrática na USP em 2014 Tratou-se de uma manifestação inadmissível de golpe, de descompromisso com os estudantes e com a própria necessidade de se reformular um estatuto que mantém elementos intocados da época da ditadura. Frente a este cenário, os estudantes, reunidos em assembleia geral em 06/11, mantiveram a ocupação da reitoria e a greve geral.
Queremos, por isso, deixar claro que os principais e únicos culpados pela atual situação da USP e pelo inadmissível uso da força policial na universidade são João Grandino Rodas e o governador do Estado, Geraldo Alckmin.
Ao mesmo tempo, o DCE considera necessário tornar pública a posição que defendemos já nas últimas semanas, no interior do movimento estudantil. Já nas últimas assembleias, avaliávamos a necessidade de que o movimento de estudantes soubesse compreender o momento de encerrar a greve estudantil e a ocupação da reitoria. Para nós, isso não seria sinônimo do encerramento da mobilização. Pelo contrário, seria a condição para que pudéssemos nos mobilizar com mais qualidade no período posterior. Avaliávamos que o termo de acordo proposto pela reitoria, ainda que tivesse lacunas, representava ganhos importantes para os estudantes, em particular nas conquistas democráticas e de permanência estudantil (bolsas, bandejão, moradia), que poderiam ser consolidadas, demonstrando que se mobilizar vale a pena. Avaliávamos, ainda, que, na base dos cursos, nossa greve já perdia objetivamente força e que, se não consolidássemos nossas vitórias parciais, poderíamos retroceder no período subsequente. Em especial, avaliávamos como temerosa a perspectiva da reintegração de posse da reitoria, pois, na nossa concepção, a repressão política, as prisões e a violência jamais podem ser uma vitória para os estudantes.
Por isso, na assembleia do dia 06/11, defendemos assinatura do termo de acordo, com o encerramento da greve e da ocupação, propondo a continuidade da mobilização com outros métodos e com vitórias. Estamos certos de que esta posição estava correta. Na assembleia do dia seguinte (07/11), ainda, defendemos a desocupação da reitoria, mesmo que com a manutenção da greve, em busca de evitar a reintegração de posse. Infelizmente, nas duas ocasiões, não saímos vitoriosos.
Consideramos necessário que o movimento saiba avaliar as decisões que tomou. Não consideramos corretos os métodos que, em ambas as assembleias, buscaram confundir os estudantes, dizendo que o termo de acordo proposto apenas “legalizaria as punições” (enquanto, na verdade, nos traria uma série de ganhos e evitaria a reintegração de posse, a principal arma de criminalização dos estudantes envolvidos no processo) ou que a diretoria do DCE buscava “trair” os estudantes para encerrar a mobilização. Em momento algum, isso foi verdade. Muito pelo contrário, o que desde o início defendíamos era a possibilidade de que nosso movimento triunfasse, tivesse conquistas concretas com a luta, uma vitória política irrefutável, afastasse a perspectiva de repressão e pudesse se colocar na ofensiva no período seguinte. Agora, temos diante de nós uma situação delicada, que deve ter resposta unificada dos estudantes. Nesse sentido, chamamos a responsabilidade de todos os coletivos e ativistas para que repensem a forma como vêm agindo. Precisamos apontar, juntos, a melhor forma de nos mobilizar por conquistas e em defesa do movimento em unidade. Principalmente, para libertar os dois colegas que não foram soltos até o momento e defender todos os estudantes que podem ser criminalizados.
Para que tenhamos mobilizações vitoriosas na USP, é necessário que também nosso movimento saiba dialogar com a sociedade, com a comunidade universitária e o conjunto dos estudantes. Queremos um movimento próximo de todos, um movimento de todos, e não distante.
Em relação à ocupação de um prédio público, ainda, a posição do DCE-Livre e de todos os fóruns realizados do conjunto do movimento estudantil é pela manifestação política e democrática. Entendemos a ocupação da reitoria como um método de luta, que deve ter início, meio e fim em busca de dialogar com os estudantes e atingir objetivos específicos. Desde o início, a deliberação de nosso movimento é contrária a qualquer tipo de danificação do patrimônio da universidade ou a ações de cunho individual, por fora dos fóruns de decisão, que desrepeitem essa orientação. Defendemos isso pois sabemos que este fator é utilizado como argumento pelos que querem nos criminaliza, e jamais admitiremos nenhum tipo de criminalização aos estudantes com base a estes motivos.
Nesse momento fazemos um chamado a todos os estudantes e à sociedade para defender a USP. A nova reintegração de posse de Rodas, as manifestações inadmissíveis de truculência, golpe e autoritarismo demonstram, cada vez mais, a necessidade da luta por democracia na USP. Subverter a estrutura de poder na universidade, como reivindicam os estudantes, com as eleições diretas, o fim das listas tríplices e o processo estatuinte, é condição para construir uma USP em que estes absurdos não mais aconteçam e na qual todos, de fato, possam ter voz.
Não iremos admitir nenhuma criminalização do movimento estudantil e dos estudantes. Exigimos a imediata liberdade dos dois estudantes, do curso de Filosofia, neste momento detidos. Não aceitaremos nenhum processo ou perseguição. Seguiremos exigindo nossas pautas e levantando a bandeira da luta por democracia na USP. Nossa luta apenas começou.
Chamamos todos os estudantes à assembleia geral de estudantes da USP, amanhã, às 18h na FAU.
DCE-Livre da USP – Alexandre Vannucchi Leme – Gestão Não Vou Me Adaptar. 12/11/2013